O conceito de capital de giro pode parecer um pouco complicado de primeira, mas na prática fica mais simples de compreendê-lo. Quando aplicado no dia a dia de um negócio, traz benefícios tanto para a gestão financeira, quanto para o crescimento do empreendimento, já que a partir dele também podemos ter uma noção do lucro obtido.

Para facilitar o entendimento sobre o tema, Vanessa Soares Camargo, consultora financeira para pequenas e médias empresas, explica que o capital de giro tem um sentido cíclico em uma operação: você compra, manufatura, estoca e vende, repetindo esse processo de novo. Ela ressalta que, normalmente, o empresário precisa gastar dinheiro com o estoque, para que depois de um determinado tempo, receba o dinheiro.

“Quando pensamos em capital de giro, estamos falando de um dinheiro que você coloca na empresa, ou reserva, para poder financiar esses tempos diferentes do dinheiro”, comenta. O tempo referente ao capital de giro é o período que fica entre a venda do produto e a espera para que esse pagamento chegue ao empreendedor.

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Vanessa afirma que o capital de giro está mais presente na rotina de quem trabalha com comércio e indústria, do que quem presta serviço. Para esclarecer mais questões a respeito do assunto, ela respondeu algumas perguntas elaboradas a partir da realidade do microempreendedor individual

MEiShop: Como o cálculo do capital de giro pode beneficiar o negócio do MEI?

Vanessa: Ele beneficia porque garante continuidade. Por exemplo: alguém que fabrica e vende pão. Essa pessoa vai anotar no caderninho que consegue fabricar 10 pães por semana. A partir disso, ela pensa que vai vender para 10 clientes e dizer que eles podem pagar em até uma semana. Então, essa mesma pessoa precisa ter capital de giro para investir nos insumos da primeira e segunda semana, porque ela só vai começar a receber dinheiro na terceira semana, que é quando tem uma expectativa de receita. O capital de giro beneficia porque, se a pessoa não fizer isso e esperar o cliente pagar, para que ela tenha dinheiro e continue o negócio, o empreendimento não vai ter continuidade. 

MEiShop: Quais os tipos mais comuns de capital de giro e como o MEI pode aplicá-los na rotina profissional?

Vanessa: O MEI pode colocar o próprio dinheiro, se tiver condições. Tem gente que usa o limite do banco (empréstimo) e paga juros. Tem linhas de crédito de bancos que são focadas em capital de giro, que é para financiar a operação. Você pode pedir emprestado, enfim. A vinda do dinheiro você pode negociar, até de uma forma um pouco diferente. Se você sabe que vai receber do seu cliente daqui duas semanas e que ele vai comprar o seu pão, você pode negociar com o seu fornecedor, e aí não é preciso ter necessariamente dinheiro em caixa, apenas ter prazo de pagamento maior do que o prazo de recebimento. Então, acho que se fossemos para os jeitos mais comuns de gestão de capital de giro, estamos sempre falando disso, de ter prazos de recebimentos e de prazos de pagamentos bem definidos na operação, para que seja possível manusear da melhor maneira. Um exemplo clássico que eu sempre dou é uma empresa multinacional, que é de capital aberto e que tem um prazo de pagamento de fornecedor de 120 dias. Só que ela vende para o cliente com o prazo de pagamento de 15 dias. Então, ela tem um fluxo financeiro invertido, pois fica com o dinheiro em caixa para rodar o negócio. É muito difícil esse cenário em pequenas empresas, porque isso requer barganha com o fornecedor, e é uma coisa que normalmente os pequenos empresários não conseguem ter. 

MEiShop: Existe algum macete, ou dica, para o MEI calcular facilmente o capital de giro? 

Vanessa: Um jeito mais fácil que eu vejo de fazer isso é pegar um papel, uma caneta, fazer uma linha e falar assim: “Bom, se eu comprar minha matéria-prima, ou meu produto no dia 0, quanto tempo eu espero demorar para vender esse produto? Eu espero vendê-lo em 30 dias”. A partir disso, pense em quais meios de recebimento você vai trabalhar, por exemplo: com cartão de crédito, débito e dinheiro, você terá três prazos de recebimento. O cartão de crédito vai te pagar em 30 dias, o débito em dois dias e o dinheiro será à vista. Depois, é preciso ficar de olho nas vendas. Quando for fechar o caixa, confira se está vendendo mais a crédito ou à vista […]. As pessoas estão pagando no pix, então incentive o seu cliente a pagar à vista, porque isso diminui esse prazo que você tem. É sempre uns 30 dias de estoque mais um tempo médio para o seu cliente te pagar. Aí, você faz essa conta de tempo e vê o que isso significa na sua operação, o que você paga além dos fornecedores, se tem aluguel, pro labore… O produto fica 30 dias em estoque e você demora mais 30 dias para receber do seu cliente, então é necessário um capital de giro de 60 dias. Veja o que são esses 60 dias de despesa na sua empresa, o que você tem que pagar. Soma tudo isso que deve ser pago nesse tempo e aí você vai ter o valor do seu capital de giro. 

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MEiShop: Quais as possíveis consequências se o MEI não tiver uma noção do capital de giro da empresa?

Vanessa: Se um pequeno empreendedor não tiver noção de capital de giro, a tendência é que ele fique muito tempo no cheque especial, pagando juros altos, caso tenha um banco que dê limite para ele […]. É sempre melhor você pegar um empréstimo do que usar um cheque especial, porque ao pegar um empréstimo você negocia a taxa de juros, quando você entra num cheque especial não há negociação. A principal consequência que vai trazer para o seu negócio é uma despesa financeira que você, provavelmente, não está controlando e nem vendo acontecer, o que tende a ser uma bola de neve […] principalmente por causa daquele pressuposto que eu disse, dificilmente o pequeno empreendedor vai trabalhar com um ciclo financeiro positivo. Normalmente ele trabalha com um ciclo financeiro negativo, o qual requer um capital de giro. 

MEiShop: Fazer empréstimos com bancos é uma opção para última hora? O que é preciso ponderar neste momento?

Vanessa: Fazer empréstimo com o banco é uma opção, é um dos jeitos de você conseguir. É importante negociar a taxa de juros, ir em mais de um banco, pensar nas parcelas e entender que essas parcelas do empréstimo vão virar uma despesa da sua empresa. Faça a conta e veja se a quantidade de dinheiro que você está pegando emprestado é suficiente para uma eventualidade, para um mês que não é muito bom de vendas, porque nós temos uma tendência a superestimar as receitas e despesas. Sempre achamos que ganhamos mais do que ganhamos, e que gastamos menos do que gastamos. Por isso é importante sentar e fazer conta, procurar ajuda se for o caso, calcular com alguém […]. Tem também as linhas de créditos públicas, mas é importante ficar atento, porque elas têm sempre uma taxa que está atrelada a um índice, tipo a Selic. A pessoa pode ver a proposta de “1% mais a Selic” e fixar apenas no 1%, esquecendo que a Selic está em 12%, 13%, e quando for ver, percebe que está pagando muito mais caro do que se pegasse o empréstimo direto com o banco. Procurar microcrédito é sempre uma boa opção, porque ele é voltado para pequenos negócios, então normalmente são valores menores, mas também são jeitos melhores de se pagar menos juros. A história é essa: faça conta e pesquise! Não saia aceitando a primeira proposta, encarando o cheque especial como um caminho para conseguir o capital de giro para sua empresa. Seja o mais realista possível em relação às vendas, porque isso talvez é o mais importante, ter metas realistas ajudam muito. Tenha sempre um caderninho, uma planilha, o que funcionar para você, tenha sempre registrado suas entradas e saídas, porque isso certamente faz diferença na hora de saber o que precisa ser economizado, o que não precisa. E aquela coisa clássica que a gente sempre fala: não misture a despesa pessoal com a despesa da empresa […]. Os negócios têm tempo. No começo, dificilmente vamos sair ganhando aquilo que esperamos ganhar, mas com persistência e organização, com certeza chegamos lá. 

 

Vanessa Soares Camargo é sócia da Phi.618, consultoria financeira para pequenas e médias empresas.