Com a chegada do Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio, a mídia começa a ressaltar temas voltados à saúde da mente. Mas a verdade é que esse assunto deve ser debatido o ano todo, ainda mais no meio do empreendedorismo, onde muitas vezes as pessoas não lembram de tocar nessa temática, especialmente quando se trata da saúde mental do MEI

De acordo com uma pesquisa feita pelo Sebrae e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) no ano passado, a maioria das pequenas companhias em 2020 tiveram redução de 1/3 do faturamento anual. Ainda segundo a mesma fonte, as vendas de fim de ano em 2020 foram piores do que em 2019, além de ter tido um aumento das empresas com muitas dificuldades para manter o negócio. 

Para nos aprofundarmos em como a rotina empresarial pode afetar a saúde mental dos empreendedores, principalmente dos MEIs, convidamos a psicóloga Thamiris Maciel para bater um papo sobre a problemática. 

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A psicóloga é gerente de RH há quase 10 anos e é responsável pela qualidade de vida no trabalho. Mesmo que trabalhe com um público bem diferente do microempreendedor individual, Thamiris acredita que as questões de saúde mental e emocional não são tão distintas entre as áreas. Inclusive, ela ressalta que para o MEI esse pode ser um desafio bem grande, já que não há uma estrutura robusta organizacional para que se tenha essa disciplina com os cuidados.

 

MEiSho: Na sua concepção como psicóloga, quais foram os principais efeitos da pandemia na vida dos empreendedores e colaboradores das companhias?

Thamiris: Falando das empresas como um todo, [a pandemia] virou um medo generalizado, pois a economia foi diretamente impactada. Muitas companhias não conseguiram sustentar o próprio negócio, porque às vezes não tinham uma estruturação, plano de contingência para suportar uma crise desse tamanho… Então gerou muita insegurança e várias pessoas perderam os empregos. Foi bastante complicado passarmos por tudo e isso acabou acarretando, de forma bem nítida, a questão da saúde emocional.

 

MEiShop: O RH também tratou formas de autocuidado além do meio corporativo? Costumes tanto para o colaborador, quanto para o líder, manterem a saúde mental equilibrada fora do ambiente profissional?

Thamiris: Como muita gente foi para home office e esse era um modelo de trabalho não tão comum, essa diferenciação entre ambiente de trabalho e vida pessoal se misturou muito. Então, sempre falamos muito sobre essa disciplina da pessoa ter seus horários, manter eles rígidos, fazer as pausas de almoço, café, enfim, a rotina que já se tinha antes, junto com a finalização do trabalho.

 

MEiShop: Abordamos este ponto pensando no microempreendedor individual, o qual muitas vezes trabalha sozinho e que na pandemia pode ter sido mais difícil de lidar com toda a situação, principalmente em relação à economia.

Thamiris: Acho que os microempreendedores tiveram que inovar muito. Eles estavam sentindo essa responsabilidade da inovação, de ter criatividade, então isso com certeza deve ter gerado muita ansiedade nessas pessoas, do tipo “preciso reinventar o meu negócio, senão ele vai morrer, não vou conseguir sustentá-lo”. E por também não terem uma estrutura organizacional tão consolidada, como grandes empresas, eles acabavam não tendo para onde correr e se sentindo sozinhos. Provavelmente, o melhor caminho foi buscar na rede de apoio esse conforto e também com outros indivíduos que estivessem na mesma situação. A iniciativa de vocês é uma maneira de criar um grupo de apoio de microempreendedores que estão na mesma situação, isso facilita bastante. A rede de apoio, falando de saúde mental e emocional, é essencial. Ela é um dos fatores terapêuticos mais importantes, porque sem esse recurso o sujeito não tem onde se sustentar para conseguir impulsionar uma melhora. Para o microempreendedor, com certeza isso é muito importante.

 

MEiShop: Além da questão financeira, quais outros fatores você acha que podem afetar a saúde do MEI na rotina profissional?

Thamiris: As muitas responsabilidades, precisar olhar para diversos temas diferentes e não ter pessoas que apoiem (para que possa delegar algumas funções), cuidar da parte financeira, pensar em inovações dependendo do plano de ação, a sobrecarga de atividades… Isso acaba gerando um esforço mental grande. E aí é necessário ter muita disciplina para conseguir separar a vida pessoal da vida profissional, para conseguir se policiar e tocar bem o negócio.

 

MEiShop: Você tem algumas ideias práticas para o MEI separar a vida profissional da pessoal?

Thamiris: Quando falamos em disciplinas, têm algumas ferramentas que podem ser usadas, principalmente de planejamento e organização. É difícil darmos uma receita, porque as pessoas têm muitas particularidades […] mas o que tem maior probabilidade de funcionar é ter planejamento de curto prazo, pensando em uma meta a longo prazo. Você faz pequenos planejamentos para poder atingir aquela meta global. Divida os horários: “eu vou começar a trabalhar às 8h, vou tratar esse tema em X horas, e aí eu paro para o almoço. Depois vou trabalhar um pouco mais, mas em qual momento eu faço atividade física? Terapia? Quando saio com meus amigos? Que horas busco meu filho na escola e brinco com ele?”. É preciso colocar tudo isso no planejamento, porque o trabalhador tem uma tendência de planejar somente a vida profissional, as reuniões, prospecções de clientes, parte financeira, gestão de pessoas, mas não planeja a vida pessoal. Então, é encaixar dentro do seu dia, semana, mês, aquilo que é profissional e pessoal, todos os aspectos importantes da sua vida: qual momento você vai ouvir um podcast, fazer uma leitura, qual o seu horário de dormir. E sempre que não conseguir fazer uma coisa, entender que é preciso realocar, que não se deve deixar de fazer. É sempre essa dica que damos para as pessoas conseguirem se organizar e ter um bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Nós falamos que a vida é uma roda, e a roda é composta por vários elementos: espiritualidade, trabalho, relacionamento, família, saúde mental, saúde emocional… Se tudo isso não estiver bem integrado e funcionando, a roda não gira. É até um exercício de coach, a roda da vida, você entender qual aspecto da sua vida está saudável. Todas as coisas precisam ter um equilíbrio, se tiver uma muito boa e outra muito ruim, então a roda não vai girar, ela vai parar. Esse é um mindset importante que precisamos ter.

 

MEiShop: Quais são os primeiros sintomas que aparecem quando a saúde mental não está boa? 

Thamiris: O que pode acontecer é falta de sono, dificuldade de organizar um raciocínio na hora de falar, pensar. Quando vem uma situação difícil, muita irritabilidade, baixa paciência. Todos esses são sinais de alerta, de “olha, eu preciso parar”. Além disso, algumas somatizações, como começar a ter muita dor de cabeça, dor nas costas, dores em alguns órgãos, alergia de pele ou dor de garganta. Tudo isso são somatizações que o seu corpo está mandando. A irritabilidade, privação de sono, dor de cabeça, sentir-se estressado e o olho trêmulo, que também é um sinal de estresse, são pontos de atenção.

 

MEiShop: E em relação aos sinais de como a saúde mental abalada pode interferir no negócio? 

Thamiris: Em relação ao negócio, acaba que nós temos uma tendência a olhar mais para aquilo que gostamos, que não cause desconforto. Então, quando estamos em um pique de estresse ou quando não estamos emocionalmente saudáveis, fugimos daquilo que nos gera desconforto. Por exemplo, eu tenho uma tendência a “ser mais pessoas”, então vou olhar mais para a gestão de pessoas, mas não vou ligar tanto para os aspectos financeiros, de planejamento ou inovação. E aí, eu acabo deixando isso de lado e essas consequências podem aparecer. E como o microempreendedor precisa olhar para muitos temas, se ele não estiver bem emocionalmente, ele não consegue lidar com essas questões, pela tendência de deixar de lado aquilo que não gosta muito de trabalhar no dia a dia. No meu ver, eu acho que esse é um primeiro sinal. 

 

MEiShop: A partir da sua experiência com RH, você tem orientações clássicas ou mesmo conselhos para a rotina do microempreendedor individual? 

Thamiris: A busca do autoconhecimento constante. Todas as pessoas, principalmente líderes de negócios, precisam praticar o autoconhecimento, a autopercepção e entender os próprios limites. O processo terapêutico é essencial, pois é a partir dele que conseguimos desenvolver o autoconhecimento. Para o microempreendedor, uma estratégia que funciona muito é a mentoria, porque ele procura no mercado indivíduos que já viveram os mesmos desafios que ele está vivendo agora, para ajudá-lo no direcionamento, já que ele não tem uma diretriz bem estabelecida. A mentoria ajuda essas pessoas com um direcionamento mais objetivo, pois é um aconselhamento e que tira um pouco o microempreendedor desse trabalho solitário; é alguém com quem ele pode contar. Acho que as pessoas também precisam buscar a espiritualidade, que não é só religião, mas sim aquilo que vai além do que está aqui na nossa vista. Praticar isso é uma recomendação terapêutica. Acredito que esses são os principais pontos: autoconhecimento, desenvolver a autopercepção por meio da mentoria, terapia e espiritualidade. São os principais pontos para qualquer pessoa, principalmente para o microempreendedor, que tem tantas responsabilidades e muita autonomia.

 

Thamiris Maciel é psicóloga e gerente de RH na Paschoalotto desde 2013, formada pela UNESP Bauru em 2012.